segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Zamba's planes

Não importa aqui o quanto sei ou deixo de saber de música, porque a humildade socrática que me determina a abordagem ao conhecimento é a mesma que uso quando opino convicto que também os grandes devem saber que nada sabem.
É, aliás, uma consciência de que nunca seria capaz de me guindar ao estado de graça em que vejo os músicos, aquela embriaguez desligada, aquela plenitude de quem vive as coisas de uma forma dolorosa de anti-epicurista, que me faz pensar que, embora tenha alguma formação musical e cante desde pequenino, devo ter a humildade de dizer que não seria capaz de chegar ao ponto em que os vejo, e de me vergar à dedicação e à entrega que eu até conheço e tento praticar noutras áreas em que tenho a ténue esperança de ser alguém.

Ora, toda esta treta para dizer que, apaixonado como sou pela música "Anda comigo ver os aviões", mas muito reservado em relação à versão gravada numa cozinha lisboeta, e que agora viu a luz do dia e está disponível para download, me tinha parecido que havia um problema de velocidade e cadência na abordagem do António Zambujo.

Mas hoje tive uma epifania, correndo na praia, junto ao mar, na pausa do acordeão do Salsa: o problema é que as músicas não servem todas para a mesma coisa em todos os sítios. A versão original do Miguel (que também tem uma excelente interpretação, convém dizê-lo) é suficientemente estável para ser cantada. Mas, no Passos Manuel, o público andou às aranhas atrás do Zamba, e isto porque os aviões do Zamba são uma espécie de Red Bull, pequenas aeronaves acrbáticas sem rota previsível. A versão original trata de aviões comerciais que descolam de Pedras Rubras, e esta claramente de aeronaves que sobrevioam as planícies alentejanas.

E é para ouvir, (só para ouvir meninos!:), não para sing-along.

Este fim-de-semana, zerando os preconceitos, limitei-me a ouvir, sem tentar cantar, e cada vez gosto mais.

Mudei o nome do ficheiro para "Zamba's planes.mp3", e de repente estava algures no meio de capim amarelo, nas redondezas do aeródromo de Beja, porque também os alentejanos podem ir ver os aviões.

Pedro Caius

PS: Isto é essencial que seja dito: O meu filho tem uma bisavó a bater nos 90 que é uma grande senhora, e que ficou encantada com esta música desde o primeiro momento em que a ouviu. Agora pede, amiúde, que eu lha cante.  Há lá coisa mais importante do que isto? São muitas as caras da arte. Esta, a dos Azeitonas, do Miguel em particular, é extraordinária, e ainda tem uma longa história para contar (que está só no início).