sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Os Azeitonas chegaram ao Terreiro do Paço

À hora em que Os Azeitonas começaram a tocar no Terreiro do
Paço, um Cavaco era perseguido em Paris
pelo fantasma do Sócrates com o livro de Colette
traduzido por Saramago
e dois velhos amigos sentavam-se
a uma longa mesa de madeira lacada a preto
das noites do bar holandês
de Coimbra
e perguntavam-se
se Os Azeitonas chegaram ao Terreiro do Paço
o que vai ser de nós?
Será que o Miguel ainda canta "os aviões"
a capella e há cercas em pedras rubras
como nas tardes em que lá roubávamos
beijos?
E a Nena ainda parte corações
nas manhãs da RTP?
À hora em que Os Azeitonas começaram a tocar no Terreiro do
Paço, o Marcelo executava autópsias
sobre a mesa da Judite
e um ministro observava distraído o dedo dele e as pernas dela
enquanto um fenómeno luminoso ocorria na atmosfera terrestre
ocasionado pelo atrito entre corpos sólidos vindos do espaço
e tu dizias, olha,
uma estrela cadente,
o ministro nada,
o Salsa compunha uma sinfonia
o Marlon tergiversava,
meninos em livrarias chamavam pseudo à Pedreira
e pedreiros sobre mulheres sentiam a jorna
curta.
À hora em que Os Azeitonas começaram a tocar no Terreiro do
Paço, um dizia tenho fé, isto muda,
e sentia o mundo em branco como em dia de eleições,
o Lobo Antunes pensava que se morrer não morre
e lembrava que o Man Ray tinha vergonha
da foto do cadáver do Proust
uma casa de segredos nivelava-se por cima
com o vencedor a enrabar o criador
e um velho a comer uma sopa numa leitaria
da Calçada da Ajuda chorava,
afinal o Rui Veloso nunca vai
gravar um disco só de blues

mas o Porto iluminou-se
com os calos e as vozes das pessoas
e eu acordei com nenhum poema
este discurso de posse
como primeiro ministro, portugueses,
À hora em que Os Azeitonas começam a tocar no Terreiro do
Paço, este é meu projecto para Portugal:
por um lado deixaremos a prostituição
e o comentário político
por outro
mudaremos todos de sexo
e de pensamento
e como os que antes de nós padeceram
de transparência ou invisibilidade
terminaremos aos linguados,
profundos linguados,
a políticos e a políticas,
que então articularão a alma
com uma língua renovada
pornograficamente
a erecção voltará a ser um facto
o jornalismo um meio
as calças terão bolsos e fundilhos
as bocas todas as letras
além do ó,
e quando finalmente as peixeiras se livrarem do medo e da necessidade
de alienação,
a cultura reinará sobre a terra,
e com a culturas as ideias e com as ideias a
poesia,
e com a poesia a poesia e com a poesia a poesia,
À hora em que Os Azeitonas começam a tocar no Terreiro do
Paço, portugueses,
cada um é devolvido a si próprio,
 um Cavaco é perseguido em Paris

pelo fantasma do Sócrates com o livro de Colette
traduzido por Saramago,
que morto é igual a qualquer escritor morto,
mesmo o Lobo Antunes, e
portugueses,
deixará de ser preciso ouvir Pearl
Jam para respirar
se dois velhos amigos se sentarem
a uma longa mesa de madeira lacada a preto
das noites de bares holandeses
e perguntarem
se Os Azeitonas chegaram ao Terreiro do Paço
o que será deles
e o velho que come sopa na leitaria
da Ajuda deixar de chorar
e o Rui Veloso editar
um disco só de blues
e deixar de tocar
para todos nós
o dueto feminino
do Delibes.

PG-M 2013
foto de Vânia Marcos, de worldplusphotos.com

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